La vinha eu serelepeando por uma
destas ruas infernais de Cuiabá, com uma tocha de fogo no tampo do
quengo de desassossegar e ferver o sangue de qualquer vivente. A tocha
era o sol, que pelos calientes minutos do tempo entre as quatorze e
quinze horas, espalha um bafo de aproximadamente 42 graus em qualquer
sombra.
Chupar um picolé nessa canícula é
tarefa que precisa ser cumprida em no máximo dois minutos. Passando
disso vira suco e cai melecando a roupa todinha.
Pois como disse, lá vinha eu. E
vinha vestido de bermuda larga, camiseta polo branca e um par de
franciscanas, que não há força no mundo que me tire dos pés.
Vinha pensando na história
incrível da minha família e rindo à larga dos acontecidos com esta tuia
de loucos, que é a vida dos pais e prole dos Cavalcantis.
A paixão do casal Garibaldi e
Maria Angélica, começou em Uberaba. Por essa época o cabra tinha ficado
noivo de uma baranga qualquer na cidade e, mesmo sem conhecê-la, dou
graças a Deus por não ter sido a minha mãe.
È que mãe pra mim só vale a que
eu tenho e se fosse outra, eu seria ainda mais rebelde do que sou. Um
revoltado, ou quem sabe ainda, um deputado ladrão.
Quando meu pai pôs os olhos por
riba dos apetrechamentos de Maria Angelica, babou-se todin. A criatura
tinha o apelido de Maria Cinturinha e, além de ser alta funcionária da
Vasp, ainda tinha as qualidades de ser belíssima, culta, educada e de
comportamento irrepreensível.
Foi tes…digo paixão à primeira
vista. O noivado do velho Cavalcanti, um homem muito bem apessoado, foi
pras cucuias, e o namoro dos dois foi à moda antiga dos amores
verdadeiros que, em tempos idos, duravam por toda vida.
A tristeza aconteceu quando meu
pai resolveu aceitar o convite para ser chefe da Comissão Mista
Brasil-Bolívia, cuja tarefa era a de construir a estrada de ferro que
ligaria o país vizinho até o portos dos litoral brasileiro.
O sujeito, querendo mais desta
vida e recusando-se a ser um fazendeirinho qualquer em Uberaba, se manda
pra Corumbá e, com essa atitude tresloucada, deixa minha pobre mãezinha
em prantos, por desconfiar da perda do grande amor da sua vida.
A tristeza teve pouca duração.
Um dia o carteiro chegou e o seu nome gritou com uma carta na mão. Ante
tristeza tão rude não sei como ela pôde chegar ao portão.
Ao contrário da moda, a carta
trouxe imensa felicidade. Minha mãe diz até hoje que não sabe como é que
em um pedaço pequeno de papel pôde caber tanta alegria.
Era um pedido de casamento. E feito por carta, que durou aproximadamente uns quinze dias pra sair de Corumbá e chegar a Uberaba.
Outros quinze dias levaram a resposta do sim até meu pai.
Outros quinze dias para o meu pai dizer que era o homem mais feliz do mundo.
Mais outra quinzena para minha mãe se declarar totalmente dele.
Outra ainda para marcar a data do casamento.
E, por fim, a última para acertar como o casório seria levado a efeito.
Pois minha mãe aceitou casar sem o meu pai presente.
Casou por procuração e foi
levada ao cartório pelo tio que mais amei na vida e que recebeu de
batismo a graça de Guilherme Cavalcanti.
Tão amado fui por ele, que
quando meu primo Murilo – filho dele – faleceu, o cabra implorou que
minha mãe o deixasse me criar. Pedido negado é claro. O máximo que ele
conseguiu foi ser meu padrinho.
Tio Guilherme se foi e, junto
com ele meu pai e todo o clã da velha guarda dos Cavalcantis. Uma
cambada de nordestinos alegres e safados e sem vergonhas e desatinados,
que hoje devem estar provocando gargalhadas, estando onde estiverem.
Pois minha mãe casou com meu tio, com a procuração do meu pai.
Imediatamente entrou num velho
Douglas DC 3, (equipamento do heróico CAN – Correio Aéreo Nacional) e
tomou o rumo de Corumbá. Um fim de mundo que consegue a proeza de ser
mais quente que Cuiabá, e, por essa época, sem energia elétrica, sem
água encanada, sem telefone e sem mais nada.
O amor não precisa dessas mudernages não.
Apenas ele é o suficiente para dar à vida o necessário para o enfretamento de qualquer vicissitude.
Basta ele.
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